- sentinelasdaenferm
- 12 de mai. de 2020
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Profissionais de diversas áreas da saúde têm atuado de forma conjunta para prevenir, combater a propagação e tratar os infectados pelo novo coronavírus no Brasil. Na linha de frente destas ações estão aqueles da área da enfermagem.
A enfermagem atua desde a promoção à saúde, no que se refere a evitar e orientar como se evita a doença. No campo dos cuidados ao paciente, está na linha de frente nos três níveis de atenção. Isso não se dá apenas em razão de sua capacidade técnica, mas também por constituir o maior número de profissionais da área da saúde e é a única categoria que está durante 24 horas junto ao paciente.
A pluralidade da formação do enfermeiro e sua posição de liderança na equipe colocam esse profissional de enfermagem como protagonista no combate à transmissão da doença. Mas esse protagonismo tem sido ofuscado por péssimas condições de trabalho e desvalorização.
FALTA DE EPI
Todos os dias circulam na internet, relatos, imagens e vídeos de trabalhadores da saúde, como médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde, entre outros, que estão atuando sem os equipamentos adequados como viseira, máscara e avental - no atendimento em geral - e máscaras N95, gorros e macacão impermeável - nas unidades de terapia intensiva e enfermarias. Além desses equipamentos de proteção individual, faltam ainda os mais básicos como luvas, álcool em gel e sabão líquido.
Alguns pesquisadores, associações e sindicatos já se manifestaram mostrando que com a falta destes materiais, a saúde do trabalhador ficará comprometida e o déficit de profissionais pelo afastamento por conta da contaminação poderá deixar o Sistema Único de Saúde em colapso.
Para que possam desempenhar seu papel com eficácia, é necessário proteção. Afinal, essa é uma doença que tem componentes de transmissão que podem ser evitados por EPI (equipamentos de proteção individual).
O uso dos equipamentos é assegurado como medida de proteção da saúde e segurança do trabalhador. Para reger essas medidas, existe o arcabouço jurídico legislativo formado por dezenas de portarias, decretos e leis. Entre elas, estão a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Portaria 1823/12), a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (Decreto nº 7.602/11) e as normas regulamentadoras, como a NR32, que trata especificamente dos trabalhadores da saúde. A Política Nacional garante a organização da saúde do trabalhador por meio da Rede Nacional de Saúde do Trabalhador (Renast) e dos Centros de Referência de Saúde do Trabalhador (Cerest) estaduais e municipais, esses a partir de um processo de habilitação. Em momentos como o atual, a Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa) também publica protocolos e notas técnicas sobre o uso de equipamentos, de atendimentos e adequação de áreas afetadas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso de máscaras cirúrgicas quando o profissional de saúde entrar em uma sala onde houver pacientes com suspeita ou confirmação de covid-19. Assim como a OMS, o Ministério da Saúde recomenda o uso da máscara com filtração de 95% de partículas, caso da N95, quando houver procedimentos geradores de aerossóis, como intubação, aspiração, entre outros.
A falta de EPIs “não é de agora", mas com um número alto de pacientes chegando aos hospitais com sintomas de coronavírus e profissionais da enfermagem sem EPI adequada, o atendimento à população pode ser afetado.
Proteger a saúde do profissional da enfermagem é proteger a saúde do povo brasileiro.
VÍTIMAS DA COVID-19
Pelo menos 80 profissionais da enfermagem morreram em todo o país. E ainda tem 14 mortes suspeitas de acordo com o Comitê de Crise do Cofen. São Paulo e Rio de Janeiro registraram mais da metade das mortes, com 27 óbitos cada.
Pelas contas do Cofen são quase 10.000 profissionais em quarentena com suspeita ou confirmação da doença. Profissionais que fazem falta no combate.
“Cada vez que um profissional de saúde adoece, é um profissional a menos por pelo menos 15 dias. Sendo um prejuízo para toda população.” Manoel Neri, Presidente do Cofen, para Jornal Hoje.
Para efeito de comparação, os Estados Unidos, país com maior número vítimas da pandemia (mais de 71.000), perdeu 46 profissionais de enfermagem, segundo entidades de classe. A Itália, segunda nação mais afetada pela doença com mais de 29.000 vítimas, teve 35 óbitos, de acordo com informações da Federazione Nazionale degli Ordini delle Professioni Infermieristiche, entidade equivalente ao Cofen no país europeu.
“Esses casos poderiam ser evitados se houvesse melhores condições de trabalho. O material é escasso.” Continua o presidente do Cofen.
O Ministério da Saúde informou para o Jornal Hoje da Rede Globo que já entregou 80 milhões de itens de proteção aos gestores locais e que com a gradativa normalização dos mercados, a expectativa é que os estados consigam abastecer os estoques com recursos que já são repassados pelo governo federal para que exista uma proteção a saúde desses profissionais.
TRABALHADORES ACIMA DOS 60
“Um dos fatores [para a alta mortalidade] é que boa parte dos serviços de Saúde não afastou profissionais com idade avançada, acima de 60 anos, e com comorbidades. Eles continuam atuando na linha de frente da pandemia quando deveriam estar em serviços de retaguarda ou afastados”, afirma Manoel Neri, presidente do Cofen.
Um importante hospital particular de São Paulo, que atendeu casos de pacientes com o novo vírus, optou por poupar profissionais de atendimentos à pacientes com coronavírus. "Decidimos que esses profissionais idosos da área de saúde ou da limpeza não devem atuar nesses atendimentos", diz uma funcionária do local — ela, que é enfermeira, pediu que seu nome e o da unidade de saúde não fossem divulgados.
Em outras unidades de saúde, principalmente as públicas, médicos e enfermeiros acima dos 60 atendem pacientes com o novo coronavírus. "Na teoria, profissionais idosos não deveriam acompanhar esses pacientes. Mas isso já foi conversado. Na rede pública de São Paulo, por exemplo, temos mais de 20% dos médicos acima dos 60 anos. Não seria possível lidar com o cenário do coronavírus sem esses profissionais", diz Marcos Boulos.
No final do mês de abril a Justiça Federal determinou que profissionais de enfermagem do sistema público que façam parte de grupo de risco (por idade ou doença) devem ser realocados para funções que não envolvam contato com pacientes de qualquer síndrome gripal. Outra ação semelhante pede que esta medida seja ampliada para os trabalhadores da rede privada.
CONDIÇÕES SALARIAIS
Profissionais de enfermagem de todo o país recebem salários baixos para trabalhar longas horas e exercer um trabalho fundamental na linha de frente ao combate desta pandemia. De todos os profissionais de saúde, eles são os que mais têm contato com pacientes com covid-19, a doença causada pelo vírus.
Não há piso salarial para profissionais de enfermagem, algo reivindicado pela categoria. Um projeto de lei foi apresentado na Câmara no ano passado, mas ainda não passou por comissões para ser analisado. De autoria do deputado Mauro Nazif (PSB - RO), estabelece o piso do salário para enfermeiros em R$ 4.650,00 (a ser reajustado). Para técnicos de enfermagem, 50% do valor e, para auxiliares, 40%.
Os valores oferecidos atualmente diferem muito disso, e órgãos regionais do conselho de enfermagem constantemente emitem notas rejeitando salários oferecidos em concursos para a categoria.
Hoje, o Brasil tem um total de 2,2 milhões de profissionais da área, entre enfermeiros, técnicos em enfermagem, auxiliares de enfermagem e obstetrizes. Uma pesquisa conduzida pelo Cofen e a Fiocruz em 2014 mostrou que 10% desses profissionais estavam desempregados.
Segundo a pesquisa, 17,8% da categoria recebiam "subsalários", ou menos de R$ 1 mil mensais na época do estudo, produzido em 2016 com dados de 2014.
"A enfermagem recebe muito pouco pela responsabilidade que temos, nossas habilidades, nossa formação e a dedicação que temos em relação aos nossos pacientes. É uma sobrecarga para uma remuneração muito pequena", diz Bruna Costa, 30, coordenadora de plantão em uma unidade básica de saúde em Bom Jesus do Amparo, Minas Gerais, para BBC.
"Às vezes, deixamos de comer, de ir ao banheiro, e 12 horas acaba sendo pouco para o tanto de serviço que temos para fazer. Não paramos em nenhum momento para dar conta de tudo o que está acontecendo. Nós gerenciamos a unidade, cuidamos dos pacientes. Se tem pia quebrada, teto pingando, é a enfermagem que tem que resolver."
Estes são os profissionais da enfermagem. Muitos são pais, são mães, são filhos, são irmãos e são amigos. Muitas vezes é tudo isso é apenas um. Eles são vidas, são trabalhadores que merecem valorização, respeito e dignidade.
FONTES:
LEMOS, Vinícius. 'Achei que tinha sido infectada ao atender paciente': a rotina de profissionais de saúde que cuidam de casos de coronavírus no Brasil. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51882495> Acesso em: 8 mai. 2020.
TAVARES, Viviane. Covid-19: a saúde dos que estão na linha de frente. 2020. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-saude-dos-que-estao-na-linha-de-frente> Acesso em: 8 mai. 2020.
GRAGNANI, Juliana. 'Durmo no terraço para não infectar minha mãe', diz técnico em enfermagem que ganha R$ 80 por plantão de 12 horas. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52234733> Acesso em: 8 mai. 2020.
ALESSI, Gil. Brasil já perdeu mais profissionais de enfermagem para o coronavírus do que Itália e Espanha juntas. 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-05-06/brasil-ja-perdeu-mais-profissionais-de-enfermagem-para-o-coronavirus-do-que-italia-e-espanha-juntas.html> Acesso em: 8 mai. 2020.
Jornal Hoje. Brasil tem mais mortes de enfermeiros do que a Itália. 2020. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/8538000/> Acesso em: 8 mai. 2020.



